Passou a chave na porta e pela última vez, apagou a luz.
Em janeiro, depois das férias de verão, viria o outro terapeuta, um jovem de 27 anos que alugara o imóvel.
Como ouvira de tantos obsessivos atendidos nos últimos 35 anos, sempre dispostos a verificar se fecharam efetivamente a porta, voltou e mais uma vez, empurrou para baixo a maçaneta. Sim, fechara.
Caminhava com alguma dificuldade culpando sempre algum osso que anunciava o desejo de não se mexer.
De tanto ouvir, aprendeu algo dos humanos. De quase não falar, aprendeu muito de si próprio.
E lá se foram milhares de adultérios, de amores proibidos, de golpes baixos, de enterros nunca acontecidos. Tantas dores, tanta solidão, tantas pílulas...
Enquanto liga o carro para ir embora, sempre as 21 horas, pela ultima vez pensa que o ser humano merecia um lugar melhor, outros seres humanos melhores. Sabe que fala de algo - o ser humano - como uma entidade abstrata. Logo se corrige: preferiu sempre falar da condição humana, essa sim, execrável.
Vai sem nenhuma saudade, sem nenhum alivio.
Em qual outra profissão poderia ter aprendido tanto sobre a humanidade?
Talvez não quisesse ter sabido tanto... mas, agora era tarde demais e nada poderia ser feito.
Olha no espelho tantas rugas, tanto cansaço... Ri para si e pensa que já foi um homem muito bonito.
Mas, a juventude volta quando pensa que, no domingo, parte com a mulher amada para um prometido paraíso caribenho.
E fingirá ser um turista qualquer.
De agora até para sempre.
"Talvez não quisesse ter sabido tanto... mas, agora era tarde demais e nada poderia ser feito."
ResponderExcluirLindo ! Perfeito !