15 de fevereiro de 2010

Breathless

Entrei tranqüila na clínica porque estava adiantada para meu primeiro paciente do dia. Planejava ler um pouco, fazer uns telefonemas...
- Dra, esse senhor está esperando.
Olhei para secretária sem entender e ela me retornou um olhar igualmente inquisitivo. Voltei-me para o homem de terno que estava sentado na sala de espera.

- Sim, pois não. Em que posso ajudá-lo?
- Desculpe, é uma emergência. Meu... méee-di-co... me disse pa-ra pro-cu-rar uma p-siii-cóloga e indicou a se-nho-ra... Eu, eu não esss-too-uuu beemmm
(os olhares de outros dois pacientes que aguardavam e o da secretária foram unânimes em concordar com ele)
Parecia cansado, ou gago, de todo modo era aflitivo ouvi-lo e, lamentando perder os minutos que pensara dedicar ao artigo que pretendia ler, convidei-o a entrar na minha sala.

Bruno (ele gostaria de ter um nome mais moderno) falou rápido, sem as pausas entre as sílabas, mas com longos suspiros.
- Não consigo respirar. O médico fez exames e disse que era psicológico e me deu seu nome. Estou aqui há quase uma hora, a secretária me pediu que esperasse. Desculpe, eu sei que tem que marcar hora. Mas, é uma emergência! Não consigo respirar! O que devo fazer? Deve ser rápido, nunca tive isso, sou muito saudável!
- Entendo, imagino que seja mesmo muito desagradável. O médico prescreveu algo para aliviar um pouco a sensação?
-Prescreveu, mas eu não tomei ainda. (tirou a receita do bolso interno do paletó e me entregou). Quis vir aqui antes. Vou melhorar?
- Sim, a medicação vai aliviar um pouco o seu desconforto. Eu vou fazer algumas perguntas agora e isso também deve ajudar. Mas eu tenho apenas alguns minutos, então, hoje é só um primeiro contato. Agendaremos um horário para a primeira data disponível e, então, combinaremos melhor, OK?
(colocou-se mais na ponta da cadeira e me fitou)
-Perguntas? Pensei que a Sra. me diria o que fazer para voltar a respirar melhor. (suspiro) Sua secretária não me deixou pagar essa, mas vou precisar de mais consultas?(suspiro)
- Sim, estou entendendo que sua falta de ar é um sinal de ansiedade e se falarmos um pouco sobre isso, em geral, alivia. Mas, precisaremos de algum tempo para compreender a ansiedade em si...
-P-e-r-gunnnnn-tee-ee.
- Me fale um pouco sobre como está sua vida, se houve alguma mudança recente...
Em menos de dois minutos, sem pausas e nem suspiros, como se falasse em um único fôlego, me contou que tinha 54 anos, que estava recém-separado, tinha duas filhas adultas e um prestigiado emprego público. Recentemente, iniciara um namoro com uma mulher vinte anos mais jovem. Disse-me que estava na melhor fase de sua vida, não se sentia ansioso.
- Com tantas mudanças, na melhor fase de sua vida, como se sente?
-Bem, muito bem. Mas há uns dois dias, minha namorada passou a noite em minha casa pela primeira vez e me disse que entendia porque meu casamento tinha acabado. Eu fiquei muito surpreso, ela me disse que eu deveria perguntar a minha ex-mulher como era nossa vida sexual. Aí eu fiquei confuso. Tinha dito a ela que minha mulher tinha pouco interesse em sexo e que esse era um dos motivos pelos quais me separara. Ela riu e disse que entendia, mas que eu deveria mesmo perguntar. Por acaso, naquela tarde, fui a um evento de uma de minhas filhas e encontrei minha ex-mulher. Somos muito amigos, o casamento acabara muitos anos antes da separação, ficamos juntos até as meninas crescerem. Ela ficou com a casa, tem um bom emprego e é ainda bem bonita. Contei a ela sobre a conversa com minha namorada e ela riu. Ela riu e me disse que gostava muito de sexo e que nunca tivera coragem de me dizer o quanto eu era um amante sem jeito, apressado. Disse que torcia por mim e que esperava que minha namorada me ajudasse. Fiquei muito envergonhado. Não esperava. Não tive tempo de falar com minha namorada, íamos nos encontrar hoje, mas passei mal... Vou vê-la amanhã... A Sra. não acha que foi isso que me tirou o fôlego, acha?
- Não sei, mas me parece uma situação difícil...
- É (suspiro) nunca pensei (suspiro), nunca pensei. Eu nasci no interior, minha primeira vez foi com uma puta. Ela foi minha primeira namorada firme, casamos muito jovens, ela era virgem. Nunca foi muito bom com ela. Saí umas vezes com umas garotas de programa, mais nada. Quando me separei, pensei que teria a vida sexual que sempre imaginei. A Mônica (ele gostaria que ela tivesse um nome mais tradicional) é tão linda, jovem... (mais suspiros e algumas lágrimas)
- (passando a caixa de lenços) Pois é, Bruno, parece que está mesmo difícil atravessar esse momento. Você acha que podemos marcar uma sessão?

Marcamos a primeira sessão para o dia seguinte. Bruno fez psicoterapia por mais de dois anos, nesse período, casou-se com Mônica. Nessa semana me enviou um e-mail para contar que a filha mais velha vai se casar.

Um comentário:

  1. Interessante, dinâmico, divertido, instigante, curioso e divertido de novo!
    Ótima História!
    Bjo,
    K!

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