25 de julho de 2009

Morte

Ele diz.
Eu me retorço.

Sim, na fantasia a Virgem abre o manto e se mostra inteiramente nua. O Cristo, mesmo crucificado, tem o pênis ereto e poderoso por baixo do pouco pano claro que envolve seu corpo. A igreja é um lugar muito, mas muito erotizado para ele. Uma imaginação abominável, digna de muito castigo.
Pior ainda quando começa a ter, ele próprio, ereções durante a missa, correndo o risco de ejacular quando o padre eleva a hóstia sagrada. Ou quando sodomiza algum santo ou santa de alta estirpe. Horror, horror...

Recuo para os doces presépios da minha infância, nas azuis noites orientais e frias de meu catolicismo poético com uma Virgem assexuada, uma José velho e submisso e com um deus menino absolutamente divinizado na sua brancura ocidental. Por que sai de minha bolha santa?

Todo o imaginário católico estava lá, devassado. E ele não era, de modo algum, o Marques de Sade, mas um homem comum e culpado.

Ele chora.
Várias vezes por semana vai ao túmulo do filho morto, logo seu primogênito, a quem ele não conseguiu salvar. A culpa o derruba com bombas lançadas para a implosão do precário edifício-corpo magro e operário.
Nada melhor que fantasias sexuais coladas no Cristo e na Virgem para melhor puni-lo. Punição (des) exemplar, de eficiência comprovada.
Os ventos frios de abril sopravam, os trigais balançavam. Naquele tempo Deus cuidava de tudo. O mundo era harmônico para ele, um homem de bem. Toda a sexualidade ia para o lugar onde Deus mandava. Ele vivia inundado pela graça divina. Chegava a flutuar de tanta santidade.
Lembra bem do dia que Deus o abandonou, lembra da condenação dada pelo médico. O que teria feito ele para merecer tamanho castigo? Não consegue entender o mundo da tragédia, da doença da morte, quando Deus faz de conta que não vê nada, não faz nada. Fica parado, como que contemplando sadicamente os pequenos mortais que, como uma pétala tragada pelo vento, imploram imploram sem resposta de Deus. Foi quando mandou Deus se foder. Aí começou tudo, a guerra santa. Orações e blasfêmias, pedidos de perdão e violência contra o corpo, ódio e depressão.
O corpo do filho-que-já-não-mais-seu, mas Dele, friamente Dele, o Monstro voraz que precisa da carne humana para sobreviver, desce para a terra e será asfixiado.

O caixão preto de minha avó é levado pela aldeia. Santificado pelo padre, seu pobre corpo, corroído pelo câncer vai embora. Teria feito eu, menino livre, algo de mal? Por que logo ela, em quem eu pendia e dependia tanto?

Mas sua culpa é muita antiga e existia antes mesmo de Deus cuidar dele. Existia quando seu pai olhava de modo duro, sem piedade e esse olhar queria dizer que ele era um tremendo peso. Que o nascimento afastou do pai a mulher por quem ele era apaixonado, que um filho era uma lástima, um erro escarrado.
E foi por isso que se casou cedo, por isso que quis modificar o destino tendo um filho e - milagre! – era um menino! Gostava de ser um pai jovem e bonito, carregando um filho lindo nos braços. Todos admiravam sua paciência, seu carinho para com aquele bebê. Agradecia a Deus por isso, por poder ser o pai que o seu pai não foi. Seu filho jamais passaria pelo que passou.
Culpas entrelaçadas nessas mortes ostensivas, definidoras. Marcas cravadas como canivete na árvore da vida.

Longe, longe onde o horizonte é azul perdido no tempo, em um passado-futuro de cinema, o mar é doce.
Ouço Bach, tenho na mão uma colher de doce de abóbora com coco. E nenhuma culpa, pois no peito a brisa é fresca e ocupa tudo.

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