14 de maio de 2009

Sonhos

Suspiros. Ela demorava a começar a falar e os suspiros, longos e profundos, eram sempre sinal de algo mais sério. Nas sessões em que elaborava temas de outras sessões ou estava menos aquecida, começava com conversas sociais muito interessantes sobre algum fato de destaque na semana, aos poucos encontrávamos um tema. Nas sessões que se iniciavam com os longos e profundos suspiros, quase não havia tempo para esquecer o paciente anterior e me sintonizar com sua história.

Médica, 28 anos, recém-casada, Sílvia fazia psicoterapia há muitos anos, desde a adolescência. Aos 18, sofria de um transtorno alimentar, bulimia. Dos 21 aos 23 esteve em psicoterapia de grupo, elaborando o início da carreira, as escolhas, o fim do longo namoro. As descobertas da vida adulta, a independência dos pais. Agora, de volta ao acompanhamento individual, preparava-se para mudar-se para outra cidade para completar sua formação na especialidade que escolheu.

Em todos esses anos, os suspiros de Sílvia eram o mote de abertura para narrar seus sonhos. Sílvia não sonhava muito, mas seus sonhos foram aliados poderosos em seu processo de desenvolvimento pessoal. Os suspiros pareciam levá-la de volta ao sonho, fechava os olhos e contava:

"Eu estou na academia, correndo na esteira. Não, não é a esteira, é a bicicleta. Eu estou pedalando, mas o contador não mostra nada. Penso que a máquina está com defeito, mas olho para mim e vejo que estou mais gorda, que estou engordando. Eu sinto cheiro de pizza. Tem um forno de pizza ao lado da esteira. A academia está em uma pizzaria e eu como pizza e pedalo ao mesmo tempo. As pizzas são quentinhas, deliciosas. Eu tento pedalar mais rápido, mas não consigo nem pedalar mais rápido, nem parar. Há outras mulheres a minha volta, elas também comem pizza. São modelos famosas, elas comem e não engordam. Vou ficando cada vez mais nervosa. Acordo muito suada."

"Eu estou nadando. É difícil, eu me canso porque o líquido é grosso. Há umas coisas verdes, algas. Tem um cheiro bom e eu vejo umas coisas vindo até mim. Eu consigo boiar por um momento e as coisas se aproximam. São lingüiças, eu estou nadando em um caldo verde. Eu penso em me agarrar a uma das rodelas de lingüiça como uma bóia. Mas, não consigo. Eu continuo nadando. Meu pai nada comigo. Eu acho estranho meu pai estar ali, mas é bom vê-lo e eu me sinto mais confiante. Eu nado com mais energia. Me dou conta de que a situação é engraçada. Eu me divirto nadando no caldo verde."

"Eu estou em um túnel muito escuro. Não vejo nada. Ouço um barulho. É um latido. Tem um cachorro no túnel. Não consigo ver, não sei se ele está à minha frente ou às minhas costas. Me desespero, quero fugir. O cachorro late mais forte. Ele está perto. Fico paralisada. Eu gosto de cachorros, mas estou com medo. O túnel parece longo e não há mais ninguém. Só eu e o cachorro. Ela late e está perto, muito perto, mas não sei se está atrás de mim ou me esperando, à minha frente. Não posso me mover. Estou parada no meio do túnel muito escuro e o cachorro não me permite sair."

"Estou andando na praia. Há muitos rochedos, não consigo escalar as pedras. Tento ir para a areia, mas a faixa é muito estreita. Tenho que escalar as pedras, mas não sei como. Vou tateando, me arranho algumas vezes. O mar bate forte contra as pedras e chego a uma passagem estreita, um caminho entre as pedras, com o mar lá em baixo. Tenho medo de cair. Prossigo, chego a uma praia. Sinto-me orgulhosa de ter escalado as pedras. Mas não sei se vou entrar no mar. Parece agitado. Acho estranho que não haja ninguém na praia. Resolvo esperar que alguém apareça antes de entrar no mar. Me parece mais seguro. É cedo, por isso ainda não há ninguém. Me deito e espero com a certeza de alguém virá."

Os sonhos de Sílvia foram muitos e lindos. Fortes em imagens. Muitos me lembravam filmes, que nunca mais foram os mesmos para mim. Na cadeira ou no tablado, encontrávamos sempre muitos sentidos e significados para cada um deles. Alguns retornaram como metáforas para situações de sua vida, muito tempo depois de terem sido sonhados. Algumas vezes, comentei com ela que um dia escreveria seus sonhos, ela sorria. "Tá bem, mas só os mais engraçados. Ou os mais comuns. Sonhos são matéria muito íntima."

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