A pergunta era séria - eu não estava brincando - e a fiz várias vezes: sou um pedófilo? Não não e não, respondia insistentemente. As crianças não são objetos de meu desejo. Sim, mas se sou um ser humano como tantos outros, por que eles, os pedófilos, sentem isso e eu não?
Quem eu desejava era algo evidente para mim, mas ele me incomodou.
Ele era muito parecido comigo no modo de ser e pensar, tinha algo de intelectual, pertencia à mesma classe média, lia livros da mesma lista que eu lia... mas desejava meninas de 11 ou 12 anos. Era casado, mais ou menos 40 anos, filhos em idade escolar. Uma profissão charmosa e uma mulher bonita (mostrou uma foto da família) compunha aquilo que os padrões ocidentais de sucesso indicariam o máximo de felicidade possível para nossa civilização.
Eu esperava um monstro. Ele era homem magro, bem vestido, inteligente. Gostava de música refinada, de filmes de arte... Não. Nada parecido com alguém visguento, barba mal feita, babão... Desejando sexualmente criancinhas. Qualquer mãe desejaria que sua filha se casasse com ele.
Sua história, no entanto, era subjetivamente vivida como episódios de fracassos e toda aquela aparência saudável e bem sucedida o acobertava. Era suficientemente rígido para nunca ter molestado (essa era a palavra usada pelos jornais para casos de pedofilia...) ninguém. Pode ficar sossegado, ele me dizia. Nunca vou fazer nada contra ninguém. Seu horror, no entanto, eram as fantasias. Elas eram muitas e fortes. Recorria, freqüentemente, aos sites da Internet (sim, eles são muitos), já que, como profissional liberal, ele trabalhava sozinho em uma sala em um belo prédio no centro da cidade.
Tinha uma vida sexual tranqüila, para usar sua adjetivação. Sua mulher necessitava mais de afeto do que de sexo. E ele tinha muito afeto. Pensa que escolheu inconscientemente uma mulher com algo de menina, cheia de sonhos, romântica. O sexo só teria função muito, mas muito no final da cena do mocinho e mocinha. Para ambos, portanto, a coisa ficava bem equilibrada, avaliava ele.
Suas meninas, aquelas da fantasia, também eram assim, mas bem mais lolitas. Eram ingênuas, mas colocavam seu pênis na boca como um pirulito com certa facilidade. Eram a encarnação da safadeza em um corpo de menina. E todas o adoravam, achavam seu corpo o máximo, seu pênis descomunalmente grande, e, além disso, o máximo em inteligência e esperteza. Não é preciso dizer que não era isso o que ele via no espelho, concreto ou metafórico, independentemente de qualquer verdade um pouco mais objetiva que a vida lhe oferecesse.
O centro de sua vida era seu pai: extremamente exigente, de competência reconhecida pelos pares, galanteador com todas as mulheres, com amantes (descobrira ele na adolescência...) espalhadas pela vida. Minha mãe, dizia, socialmente doce e sofisticada, mas ausente afetivamente. Não era com ela que me pai se satisfazia em qualquer âmbito. Talvez fosse ela o centro da minha vida, na sua distância e mistério de uma mulher que, possivelmente, nunca tivera um orgasmo. Mas ela era que o pai queria, negociando com a demanda social, uma sociedade sempre atenta e exigente, pelo menos na cabeça dele. Era ela, uma dama na sociedade, dormindo no quarto ao lado.
Era ela, mãe de apenas um filho, único, perfeito, bonito e inteligente. Hipócritas e normais...
Quando conversa com o pai, em uma cena psicodramática, revela uma enorme inveja, mas também desprezo pelo seu aparente sucesso. Em outra cena com a mãe, humilhado, implora e pede carinho. Ela responde que homens fortes não precisam dessa bobagem. A distância afetiva é imensa. O entendimento é apenas intelectual, objetivo. Não se sente à altura do pai e culposo por não conseguir o amor da mãe.
Nesses momentos, seu desamparo é de uma verdade tão absoluta, sem qualquer defesa, nem sedução, o mundo poderia acolhê-lo. Não precisava mais imaginar exercícios de identificação com um sujeito com fantasias pedofílicas. Lá estava ele, solitário, abandonado, podendo dividir com outro ser humano este estado.
Depois de três anos, disse ter entendido tudo o que precisava e encerrou o processo.
O encontro aconteceu em um restaurante. Sentado ao lado de uma bela mulher, se levanta quando me vê entrando com um grupo de amigos. Vêm até mim e me dá um longo abraço, na entrada do restaurante. Está muito diferente. Tem barba um pouco esbranquiçada, mas ainda magro, mais maduro, mais doce. Diz que se separou da primeira mulher, seus filhos estão na universidade, seus pais morreram. Depois disso, resolveu tomar conta de sua própria vida.
1 de maio de 2009
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