21 de abril de 2009

Viagem

Paris. Ela falava com um sotaque francês carregado. Paris. Pronunciava como uma palavra mágica e a sala contaminava-se daquele desejo que também era meu. Subitamente, meu tablado era a Place des Voges em uma noite enluarada ou a margem esquerda do Sena, a vista da Pont Neuf no fim da tarde... Ou Montparnasse, ou...Viajávamos as duas em cenas vividas, temidas cheias de odores e sabores. Para ela, tempos de descobertas, para mim de sonho.

Marilene trabalhara como “au pair” por dois anos, em Paris. Do interior de Minas até Paris, uma trajetória de deslumbramento e opressão. Marilene foi cuidar da filha de um casal de franceses. “Viajar, aprender, guardar dinheiro.” – como ela imaginava embarcando no avião. “Quem sabe conhecer um homem estrangeiro e morar na Europa”, como escrevia sua mãe nas primeiras cartas.

Uma viagem de sonho, sem dúvida. Aprendeu muita coisa, aperfeiçoou o francês aprendido com uma tia professora ainda em Bom Despacho. Em Paris, Marilene não conseguiu guardar dinheiro, mas colecionou sonhos: sonhou ser a mãe da criança de quem cuidava; sonhou casar-se com o músico que morava na casa ao lado e parecia tão atencioso até que descobriu que ele era gay. Sonhou em cursar uma faculdade, mas o francês escrito não era tão bom assim. Um dia, os sonhos se estilhaçaram em decepções, Marilene teve uma crise, perdeu a visão. O médico diagnosticou “atteint d’hystérie” e recomendou a volta ao Brasil.

Marilene, Chegou ao Brasil tranqüila, mas ainda sem conseguir enxergar bem. Não aceitou voltar para Bom Despacho. “Como vou me tratar lá?” A tia, a que sabia francês, era casada com um político, estava morando em Brasília e concordou em recebê-la e custear o tratamento psicoterápico.

Paris. Marilene queria “ficar boa para voltar para Paris”. Temia essa viagem, mas temia mais ainda a viagem de volta a Minas. Viagem era o seu único tema, a vida em Brasília era uma “estação” um ponto de parada na sua viagem de retorno a Paris.

Viagens prosseguiram como tema de Marilene por muito tempo. Viagens que ela nunca fez. Quando consideramos encerrado o seu processo psicoterápico, ela voltou para sua cidade natal. Nunca esquecemos Paris.

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