Antes de tudo acontecer, quando o furacão não tinha passado pela sua vida, era um médico de 34 anos, vindo de uma classe média, disposto a estudar para “ter um lugar ao sol”, como sempre disse seu pai. Casou-se imediatamente após a formatura e já tendo acertado a residência em um grande hospital ligado a uma grande universidade com a Mônica, moça meiga e inteligente, sua colega desde o colegial. Tudo corria muito bem.
Com o dinheiro do trabalho de ambos, e com a ajuda do pai de Mônica, construíram uma bela casa. Antes disso, alugaram um bom apartamento onde recebiam amigos do tempo do colégio, da universidade e os novos amigos, feitos especialmente entre colegas de trabalho de ambos.
Ele foi, aos poucos, aprendendo os hábitos de uma classe média bem mais alta daquela da qual viera: restaurantes mais finos, vinhos sofisticados, roupas que garantiam o passaporte para aquele mundo. Os amigos faziam esse mesmo percurso ou já estavam lá, onde ele desejava chegar. Não tinha uma ambição (muito) desmedida ou nem deixava transparecer qualquer coisa do tipo. Era doce, aplicado e talvez, as mulheres notavam, um pouco bonzinho demais. Alguém discreto, que não incomoda. Aliás, o casal era querido justamente por isso: não eram criadores de caso, eram simpáticos, eram adequados nas situações sociais.
A vida do casal poderia ser muito diferente disso, mas não era. O dia a dia seguia absolutamente tranqüilo, sem grandes emoções. Faziam sexo regularmente, sem grandes arroubos. O amor era sereno, tranqüilo. Ele diria, um tempo depois, “tranqüilo demais da conta” que duvidou que fosse amor. Perguntava sempre sobre isso: “amor é calma ou é loucura?” “Loucura não é uma coisa mais própria da paixão?”.
Fizeram algumas viagens para o exterior: duas delas custeadas pelos grandes laboratórios que investiam em jovens e promissores médicos que se dedicavam àquilo que interessam aos lucros das empresas farmacêuticas. Outras não. Foram pagas com o dinheiro ganho do próprio trabalho. E uma foi paga pelo pai da Mônica no aniversário de 30 anos dela. Viagens que nenhum primo dele jamais poderia sonhar. Tinha facilidade com línguas e aproveitou para melhorar o inglês e o francês.
Filhos? Deixavam para “mais tarde”, quando tivessem vivido tudo o que a juventude facilitava, quando tivessem uma casa maior, quando pudessem pagar empregados para cuidar do bebê. Mas, certamente, estavam (mais de um...) nos seus planos. Mônica começou a falar mais disso nos últimos tempos, antes do furacão. Começou a discutir sua idade, falar coisas como “todas as minhas amigas já tem bebes”, “para a mulher a maternidade é muito importante”...
Nesse ponto, um congresso internacional de medicina o empurrou para o nordeste do país. Congresso para ele era coisa séria: momento de atualização, de trocas com colegas que estudavam e pesquisavam. Não gostava de levar Mônica para estes encontros profissionais, pois eram muito absorventes. Nas poucas experiências que tiveram Mônica ficou deveras entediada. E, convenhamos, com toda razão. Falavam apenas de medicina.
O pai de Mônica tinha uma empresa de tecidos e ela estudou moda. Quando os congressos de medicina aconteciam em grandes cidades era um bom momento para olhar vitrines, visitar lojas e fábricas. Não era o caso deste congresso. Ela e ele, de comum acordo, ”acharam por bem” que ela ficasse. Mas, disse ele depois, se soubesse tudo o que estaria pela frente teria implorado para que ela fosse.
Nada de muito diferente aconteceu naquela viagem até o último dia do congresso: tudo como previsto fizera contatos com colegas franceses e canadenses que faziam pesquisa de ponta na sua especialidade visando uma viagem de estudos em Paris ou Toronto. Justamente com estes doutores e doutoras jantara na noite de sábado, véspera da viagem de volta para o sul. Era um único brasileiro do grupo e era constantemente requisitado para explicar a cultura do país: caipirinha, feijoada, violência urbana, candomblé... enfim, falava o que sabia e sobre o que não sabia, mas era sempre aplaudido.
Não era um homem feio, mas por ser demais discreto conseguia passar despercebido. Não era o caso desse momento: estava no centro da roda e sendo observado por um bando de estrangeiros que ele mal sabia o nome, depois de todas as discussões de todos os casos clínicos e teorias mais importantes. Perdera a noção do quanto bebeu naquela noite, fato absolutamente inusitado. Ele, sempre comedido, estava alegre demais.
Lembra quando acorda, o mal estar que tomava conta de seu corpo. Uma culpa terrível enchia tudo e achava estranho que fosse resultado da bebida. Memória de falas (“It´s OK!, It´s OK!!!), cheiros, pedaços de prazeres e dores. Acorda assustado com a hora (11) e o temor de perder o vôo de volta. Um bilhete escrito em inglês faz elogios ao seu corpo, ao desempenho sexual e espera encontra-lo brevemente.
Faz as malas em transe, toma um café, check out e táxi. No avião desembrulha o bilhete e, agora, vê o que negou. Tinha sido assinado por um tal Bob.
13 de março de 2009
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Li as crônicas e fiquei encantada.
ResponderExcluirCélia