“A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer” (Mário Quintana)
Os textos que compõem esse livro devem ser entendidos como um jogo. E como todo o jogo é preciso entender as regras que estão na base de sua construção. O jogo que estabelecemos como autores teve a diversão como estímulo. Às vezes, como desabafo. Noutras, a simples construção (supostamente) literária.
Explicamos: somos psicoterapeutas e não escritores profissionais. Mas somos vorazes leitores de literatura e resolvemos ‘brincar’ com o material cotidiano de todos os clinicos. Como sabemos, psicólogos têm um código de ética compreensivamente severo no que diz respeito às informações trazidas pelos clientes. Estava, aí o obstáculo necessário para escrever: inventar, ficcionar os sentimentos do terapeuta se utilizando de um outro papel, o de escritor.
As crônicas, os contos mínimos ou não tão mínimos assim, respeitaram esse espírito: criar sobre as dores, a banalidade, o trágico, o bizarro do cotidiano, levando-se em conta a privilegiada posição de quem é sumariamente ‘invadido’ e detentor de segredos profissionais que não podem ser revelados.
Pois bem: os segredos podem ser travestidos, dissipados, esquecidos e, como a matéria dos sonhos, surgir como outra coisa, uma outra verdade, muitas vezes menos sofrida, outras vezes mais louca. Os segredos que aparecem em nossos textos são, a bem da verdade, dos escritores. Deles, de fato, a (di)versão.
Não é lugar comum dizer que qualquer interpretação dos fatos diz mais de quem interpreta do que dos fatos? Mas, mesmo aí, e sabendo disso, é possível também inventar segredos dos segredos, novas aparências, de outros personagens que assumam verdades estrangeiras. Como bem comentou Foucault:
“(...) me dou conta que nunca escrevi senão ficções. Não quero dizer com isso que esteja deixando de lado a verdade. Parece-me que existe a possibilidade de trabalhar a ficção, de induzir efeitos de verdade com um discurso de ficção e de fazer de modo que o discurso de verdade suscite algo que ainda não existe”. (Michel Foucault)
Nesse jogo, trabalhamos com a matéria que constitui nossos sonhos, nossas vidas. Portanto, nada mais óbvio, nada mais exótico.
Devanir Merengué e Valéria Brito
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