14 de junho de 2009

SEGREDOS

Os segredos familiares se nutriam de outros segredos, ela sabia. Havia necessidade de muito arranjo para que fosse perdurado no tempo aquilo considerado feio, sujo, pecaminoso, errado ou simplesmente inadequado. O FBI, diz ter lido ela em algum lugar, não garante mais que 15 dias de sigilo e é, nesse período, que os agentes devem agir.

Na primeira vez que teve certeza que seu irmão lesava a empresa da família, sofreu no bolso e na alma. Eram apenas três herdeiros da empresa ainda comandada pelo pai, mas apenas ela e seu irmão eram diretores. A outra irmã se casara com um médico, cirurgião plástico e freqüentador de colunas sociais, e ela apenas recebia uma vultosa soma mensal em sua conta. Conversaria com ele?, questionava-se na época. Tinham um pacto silencioso que dizia respeito às traições de ambos: ele fazia vista grossa para um romance paralelo que ela mantinha fazia muito tempo com um amigo de colégio e ela para algo muito mais proibido. Desde a adolescência ela sabia de escapadas homossexuais do irmão. Leu uma carta apaixonada de um amigo por ele encontrada em um bolso de um casaco: como pôde esquecê-la, assim, sem mais...? Havia negócios da empresa em diversas cidades do país e também no exterior. Tinha certeza que eram momentos de liberação do irmão. Ele, por sua vez, havia flagrado diversos e-mails e ligações telefônicas com o tal amigo. Em todas estas ocasiões os olhares se cruzam e, sem palavras, cada um segue seu caminho. Havia, no entanto, neste pacto, algo como uma ameaça velada do tipo se-você-contar-eu-te-delato e você estará frito(a).

Aforante isso era uma família absolutamente estruturada: ela, 41 anos, bonita, devidamente cuidada por ginástica e cirurgia plástica. Seu casamento já tinha 17 anos e marcado por uma enorme comodidade. Seu marido era alguém afável, que fazia qualquer coisa para não brigar. Seu irmão, por sua vez, era casado com uma mulher histérica e superficial, linda e ansiosa. Não sabia se gostava ou não dela, mas isso não era questão. Ela entrava e saia, sempre linda, perfumada e bem vestida. Gostava, sim, de seu sobrinho de 13 anos. Sensível, inteligente e, possivelmente, futuramente um homossexual. Com a outra irmã, muito mais nova, a relação era protocolar. Felizmente, os encontros familiares eram apenas por acasião do Natal. Nas outras datas importantes, não havia imposição de reunião, já que não eram exatamente agradáveis. A superficialidade era tamanha que ninguém conseguia fingir tanto por mais de duas horas.

O roubo do irmão surgia como algo desestruturante nesse quadro, relativamente estável na sua loucurada, como ela chamava. Seu pai e sua mãe pouco sabiam da empresa, em um daqueles casos que os negócios andam, apesar de quem os dirige. Ele tivera outras mulheres a vida inteira, ela sofria com isso a vida inteira, eles brigaram a vida inteira, ele e ela tiveram muitas culpas a vida inteira, ... A vida feita de repetições dolorosas, mas conhecidas, e, por isso, absolutamente suportável, pareciam dizer.

Para que ele precisava fazer aquilo, já que era um homem, achava ela, rico? Não tinha vontade de conversar com ele sobre isso, pois poderia puxar coisas desagradáveis, sobre as quais não tinha vontade de mexer. De falar, por exemplo, das trapaças do pai com amigos políticos militares quando ele era jovem e se valia e todo e qualquer expediente para subir na vida, de como tinha que comprar a polícia para esconder o uso de drogas do filho mais velho da irmã e que, apenas ele e o cunhado sabiam, mas ela, obviamente, tinha certeza, mas não falava...

Enfim, a lista não terminava por aí.

Era melhor deixar por isso mesmo.

Um comentário:

  1. Lembrou-me outras histórias de "segredos", crianças com "pais escondidos" pelas mães, por exemplo, algo como no filme Adeus Lênin...

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