28 de fevereiro de 2009

Homem Sensível

Anos depois eu soube algo sobre ele.
A pele era fina demais para o sol dos trópicos ou para os dias frios.
Infernal era a exposição. Bonito demais para esse mundo e para aquela família de gente feia.
Olhares o atravessavam assim como as correntes de vento e os berros dos locutores.
Infernal era o isolamento e a deixa para a entrada escandalosa da imaginação, dos sonhos cortantes e as angústias erráticas.
Ficava incomodado com uma lista infindável de coisas como buzinas, falta de gentileza, histeria, opressão...
Incomodava a grossura do pai e o histrionismo felino da mãe.
Não era com certeza um psicótico: sabia muito bem do que falava: não tinha nascido para esse mundo.
Olhava para os jovens que estacionavam seus carros nas vagas de deficientes e idosos e chorava. Sim, chorava, não brigava.
Tinha ânsia de vômito com a vulgaridade das revistas e com a hipocrisia da televisão, com o cinismo dos políticos e as bobagens do politicamente correto.
Os jornais não informaram, nem a televisão nem o radio. Não era disso. Ninguém ficou sabendo, a não ser a família e um ou outro amigo.
Na rica casa onde viveu foram encontradas caixas de papelão com folhas escritas com caneta tinteiro, com letra bonita e legível.
Sem paciência para tanta leitura e tanta blasfêmia os papéis (junto com roupas e objetos) viraram cinza em uma manhã fria e ensolarada de maio.
E tudo acabou aí.
Contou-me um tio anos depois.

2 comentários:

  1. Devanir e Valéria.
    Suas crônicas produzem "afectos", intensidades no leitor. Estamos juntos no mesmo barco, participando dessa enorme aventura que é viver.
    Obrigada.
    Um beijo.
    Áurea.

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