17 de abril de 2010

Felicidade

Não é que não gostasse propriamente da decoração exagerada e quase sempre de gosto colonizado. Ou do clima de compras compulsivas, de confraternizações compulsórias. O que mais incomodava era a tal felicidade: Feliz Natal, Feliz Ano Novo, Feliz Aniversário...

- Que coisa irritante! Como assim feliz isso, feliz aquilo?! Quem pode ser feliz com tanta tristeza e miséria nesse mundo?

Balançou a cabeça afirmativamente como sempre fazia quando ele tentava esboçar alguma revolta, eram tão poucas as situações em que a agressividade, tão grande quanto cuidadosamente evitada, se deixava entrever que a terapeuta achava aceitável expressar uma concordância leve.

Mas, ele reagiu inesperadamente:
- Por que você faz de conta que concorda?! VOCÊ NÃO CONCORDA! Você já me desejou Feliz Aniversário e tem um cartaz bem grande lá embaixo desejando FELIZ NATAL!

Por um lapso de tempo incalculável - a natureza do tempo nesses momentos é muito mutante, às vezes intangível, às vezes mais dura que o concreto armado. Por um lapso que pareceu infindável para ele, ela considerou a pergunta. Será que acreditava na felicidade, essa das frases feitas que usamos nas festas?

- Sim, Pedro, eu acredito em felicidade, como acredito em amor, em justiça, em...
-AH, QUE MERDA! NÃO ME ENROLE! Você fica feliz no Natal? No Ano Novo? Nos aniversários?
- Às vezes, depende...
- Então, você fica ou ficou, então, não precisa acreditar, você conhece essas felicidades.
-Você não?
- Não, NÂO, não... Você sabe que não. Felicidade que eu saiba é um dia sem medo. Não me lembro de um dia em que não senti medo. Há momentos, horas seguidas, às vezes. E até dias, mas com a medicação. E aí não é um dia sem medo é um dia com medo de ter que tomar o remédio para sempre. Desde que me entendo como gente tenho medo, medo, medo. Como se pode ser feliz com medo?
- A felicidade para você seria não ter medo?
- Para mim, não, para todo mundo! As pessoas quando estão felizes não têm medo de morrer ou de qualquer outra coisa! AH, você sabe!
- Não, para mim, é diferente. Eu já fui feliz em momentos em que tive muito medo, medo de morrer também.
-Você já teve medo de morrer?! Você?!

Por um lapso de tempo incalculável – a natureza do tempo nesses momentos é muito plástica, às vezes infinita, às vezes mais breve que um segundo. Por um lapso que pareceu quase palpável para ele, ela falou.

- Sim, Pedro, muitas vezes! Eu tenho medo, medo de muitas coisas! Da morte também, mas mais ainda da vida, de viver sem sentido, de me perder em devaneios enquanto os prazeres se esvaem. Tenho medo por mim, pelos que amo. Por você também.

Silêncio. Ele abaixou os olhos, não conseguia chorar há muitos anos, pensou que essa seria o momento perfeito, mas o momento passou. Sentiu que ela se importava mesmo com ele, escondeu um sorriso. Silêncio.

Silêncio. Ela lembrou-se, com gratidão, de sua própria terapia, de uma sessão específica, há muitos anos. Sua terapeuta contou-lhe como se sentia com a proximidade da aposentadoria. Balançou a cabeça afirmativamente. Silêncio.

Por muito tempo, muitas sessões, lembravam-se desse lapso de intimidade, um momento frágil e poderoso. Silêncios como esse primeiro, uma felicidade delicada.

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